quinta-feira, 7 de outubro de 2010

CARNAVAL DA DUREZA

Por André Caixeta Colen

Amigão, você mora num “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza” e como em todo fevereiro, desde que você se entende por gente, tem carnaval. Época boa, você está solteiro, ou seja, você está na esbórnia, para não falar putaria liberada, não é mesmo!? Então, como um bom guerreiro você reúne aquela turma “sangue-bom” para ir para o interior do estado. Em tempo, é bom lembrar que você está solteiro, mas está quebrado e grana para ir para praia, mesmo que no inferninho capixaba já está meio complicado.

Como bom brasileiro e fidedigno representante da espécie masculina você acha que se antecipar, preparar a viagem, se organizar é uma tremenda bichice, coisa de nêgo boiola, sem o que fazer da vida, menino criado com vó e tantos outros carinhosos e singelos apelidos que você aprendeu ou que seus amigos vivem chamando as pessoas que agem de forma prudente e preparada. Como verdadeiro representante do guerreiro de carnaval, na quinta-feira que antecede ao final de semana do carnaval, resolve ir com a galera para um inferninho do interior, no bom estilo Itapecerica de ser.

Então na sexta-feira, após o serviço, todo mundo se reúne e se dirigem à rodoviária aí você se depara com a primeira realidade dos despreparados não existem mais nenhum ônibus para o tão sonhado inferninho. Neste momento você, como ser inteligente que é, resolve correr para o Terminal Juscelino Kubitschek. Afinal ali existem várias excelentes companhias de transporte estadual e interestadual, com frota renovadíssima e com preços bem mais acessíveis (modo irônico totalmente on).

Então naquele tumulto que é inerente ao processo, a “machaiada” lota dois táxis e saem em desabalada carreira para o Terminal, pois lá irão encontrar o tão sonhado meio de transporte para o inferninho interiorano. Caro leitor, ao chegar ao Terminal, você se depara com uma triste, mas dura realidade: “Até aquelas bostas, denominados ônibus de turismo, estão totalmente lotados!”

Ao que tudo indica você passará seu carnaval tentando o suicídio em Belo Horizonte, pois é fato que carnaval em BH é altamente depressivo não sendo recomendado para pessoas de espíritos fracos ou fragilizado psicologicamente. Você, caro leitor, se enquadra perfeitamente numa destas espécies. Neste momento sua turma entra num estado alterado de realidade aceitando qualquer coisa que tenha quatro rodas um motor e que os retire rapidamente da cidade. Então, você percebe o possante que se dirige à Formiga e pensa: “Nossa!!!! Simbora neste ônsss que ele passa por Itapecerica!!!”

Mais do que de pressa vocês e seus amigos embarcam no veículo. Caro leitor, chamar de veículo algo que se auto denomina NASA e que muito provavelmente deve ter saído da linha de montagem quando seu avô nasceu, não é só um ato de desespero, mas, SOBRETUDO, de coragem.

Amigo a NASA, a de verdade, lá dos “isteites” conseguiu a proeza de mandar em pedacinhos dois “ônsss” espaciais. Você acha, SINCERAMENTE, que seu Jão, o motorista do NASA MADE IN BRAZIL, que estava de camisa desabotoada, futucando um umbigo, com o bigode ainda sujo de coxinha e fedendo a caninha 51 se preocupou em fazer qualquer manutenção no veículo? Se você acha que sim, você estará entre os 0,0000000001% da população, maiores de 13 anos, que também acreditam em Papai Noel, duendes, fadinhas, coelhinhos da páscoa e a Cuca.

Sejamos sinceros, o NASA é uma pocilga em forma de jardineira. Neste momento abramos um breve mais significativo aposto para explicar o que vem a ser jardineira. Afinal o cotidiano também é cultura: “No início do século XX “Jardineira” virou sinônimo de ônibus. A palavra tem origem no francês ‘jardin’, que designa também horta, pomar, quintal. Os agricultores franceses transportavam seus produtos para as cidades em veículos utilitários denominados de ‘jardinière’. Quando as jardinière passaram a transportar também pessoas, manteve-se o nome original. Na Itália, virou ‘giardineira’. E na Espanha, ‘jardinera’. Imigrantes espanhóis e italianos enriqueceram nossa língua com a variante ‘jardineira’.”

Fechado o aposto retomemos à pocilga, ou melhor, jardineira do seu Jão, singelamente apelidada de NASA. Vejam bem!!! A informação que passamos a relatar não foi dada por seu Jão, mas, com certeza, segundo fontes sigilosas, o NASA era a sigla para Não Arrependa, Só Adentre. Como se percebe é necessário muita coragem, mas como diz seu Jão: “Óóói!!! O NASA é baum, sô!!! Só sacode um cadim, faz uns barui istranho, mas é cofiarvi!!!”

Então começa a viagem, ou melhor, a aventura. Você e seus amigos já abrem o isopor repleto de cerveja, dois litros de fanta, dois de coca, uma vodka e um rum “Montila”. Amigo o NASA vira um bar móvel. Então está tudo bem, dentro das possibilidades, e a coisa começa a feder quando o NASA se vê diante de uma blitz da Polícia Rodoviária Federal. Nisso amigo, é um vuco-vuco, nego colocando garrafa de vodka debaixo da poltrona, escondendo o Rum na jaqueta, fechando o isopor de cervas, tacando balas de halls na boca. Como se isso não bastasse você vê seu amigo, SERGIÃO, aflito engolindo algo parecido com grama seca e aí você se dá conta que o retardado trouxe “erva-santa”. Você pensa: “Putz!!! Agora a casa caiu!!! Tá todo mundo preso, porra!!!”

Como você, todos seus amigos, cada um com uma porção, começam, num ato de desespero, ajudar SERGIÃO engolir a merda do bagulho, enquanto isso o NASA se aproxima e pára na Blitz. Todos se viram para frente como rapazes educadamente civilizados tentando disfarçar o indisfarçável: “ESTÃO TODOS BÊBADOS E, MUITO EM BREVE, EMACONHADOS!!!”

O policial requer do seu Jão a carteira de motorista, documentos do NASA e a licença de transporte. Neste instante seu Jão faz uma cara de total desconhecimento e pergunta: “Dotô!!! Licença de transporte!?”. Ééééé “colhega”. O “gualda” nem examina a papelada. Já manda todo mundo descer do NASA. Seu Jão meio sem saber e cutucando o umbigão, diz para o pessoal descer. Você e seus amigos, meio trôpegos tentam disfarçar a embriagues e saem do veículo.

Uma vez sentados no meio-fio você e seus amigos começam a sentir ligeiras, mas significativas mudanças na estrada, ela começa a parecer muito mais colorida, muito mais divertida, muito mais cômica. Neste instante cada carro que passa torna-se o maior show de comédia que alguém já tenha visto. Quanto mais tentam disfarçar os efeitos da “erva-danada”, mais fica evidente o estado lastimável. SERGIÃO, o pior de todos, começa a dar saltos e olhar para sua própria mão como se fosse algo que acabara de descobrir em seu corpo, ao mesmo tempo, se dobra em gargalhadas a cada salto e passada de mão pelos olhos.

O “gualda” se aproxima e pergunta:

— Cidadão, você está sob algum efeito de alucinógeno!?

Nisso SERGIÃO, pára de saltar, olha fixa e seriamente nos olhos do policial e solta a maior gargalhada que já se ouviu na face da terra. Seu riso é tão incontido que saliva é jogada contra face do policial.

A última coisa que SERGIÃO diz se lembrar, anos depois, foi da tonfa batendo em suas pernas e a mãozada no ouvido. Os restantes de vocês viram-se e fazem de conta que SERGIÃO é um sujeito que nunca tiveram contato na vida e começam a rezar para todos santos, anjos e arcanjos.

Seu Jão após alguns incontáveis 15 minutos, retorna com uma triste constatação. Você e seus amigos só saíram dali se rolar um CPF para a moçada do plantão. Em outras palavras: “O NASA só continua viagem se rolar uma Comissão Por Fora para os ‘gualdas’!”

Nisso cada um desembolsa mais “cenzinho”, paga-se sorrateiramente o policial e a viagem continua, mas sem SERGIÃO que será eternamente lembrado pelo seu ato de sacrifício e bravura.

Você começa a constatar que vai faltar grana pra breja, mas isso é assunto para depois o negócio agora é continuar a beber, viajar na maconha que ainda está fazendo efeitos lancinantes e pensar na mulherada frenética que haverá em Itapecerica.

Após trinta minutos de retorno da viagem o NASA começa apresentar barulhos muito mais esquisitos do que antes e de repente, não mais que de repente, o habitáculo começa a se encher de fumaça e pipocar, como rojões de São João. Seu Jão então encosta o veículo e pede para todo mundo sair do veículo, NOVAMENTE. Após uma breve constatação da situação do NASA, ele se vira a vocês e diz:

— Óóóia!!!! “Ieu” tenho uma notícia boa e uma ruim! A notícia boa é que o “pobrema” do NASA tem solução, “grazadeus”!!! A notícia ruim é que eu não consigo resolver o “pobrema”!!!

Você e seus amigos já começam a considerar seriamente a possibilidade de realizar um homicídio com requintes de crueldade. Seu Jão então começa a lenta e sempre determinada marcha em direção à cidade para buscar o mecânico. Detalhe importante, estamos falando de fatos que ocorreram no início da década de 90, logo, celular era algo inimaginável, ainda mais à margens de rodovias. Já está escurecendo e você, muito provavelmente, vai dormir à beira da estrada. Em outras palavras: Você está na merda!!!

Aproximadamente, às duas da madruga de sábado, totalmente sem qualquer bebida alcoólica e numa “larica” inenarrável o mecânico chega juntamente com Seu Jão em um caminhão reboque. Seu Jão traz junto de si dois pacotes de doritos sabor de peido. Em tempo, todo doritos fede a peido. Contudo, isto pouco importa, você e seus amigos tomam os pacotes num afã frenético por comida e os devoram alguns segundos.

O mecânico igualmente esculhambado mexe, remexe e estremece o NASA sem nada conseguir. Detalhe é que o mecânico veste uma calça que a cada descida para verificar o motor deixa mostrar, não um cofrinho, mas um verdadeiro Fort Knox. Aquela visão bisonha jamais saíra de sua mente, caro leitor. Lá pelas cinco da matina o mecânico se rende e acopla o NASA ao reboque e começa sua longa jornada até Itapecerica. A uma velocidade compatível com a de uma lesma com preguiça.

Finalmente, você consegue chegar em Itapecerica por volta das 09 da manhã de sábado. A cidade inteira dorme e você está inteiramente de ressaca de maconha e bebidas.

Vocês se encaminham para a área de camping, afinal nêgo duro não paga hotel, nem pousada, mas, sim, monta uma barraca na área de camping da cidade. Em Ita (Itapecerica para os íntimos) a área de camping se reduz a uma área gramada com um banheiro feminino e outro masculino e um chuveirão. Mas isto pouco importa, né mesmo!? O que interessa é que você está no inferninho e aqui ninguém é de ninguém, né mesmo!?

E R R A D O!!!!

Após se instalarem nas barracas e dormirem um pouco está na hora do pega-pra-capar. E aí vocês teriam de gastar outra nota para comprar bebidas, mas como estão sem aporte financeiro (leia-se duros), vocês compram um pote de mel, nove limões e uma cachaça artesanal (leia-se álcool absoluto feito por algum tarado da região). O fato é que dois “litrões” de pinga saíram por dez contos, UMA PECHINCHA!!!

Vocês então fazem aquela batida, que está mais para coquetel molotov e saem para a praça da cidade onde tudo acontece. Lá pelas tantas, cientes que cachaça é bebida do capeta, a realidade começa a se alterar e aí é que mora o perigo. Amigão, você resolve mexer com quem não devia e aí a coisa fede geral.

Você nem sabe de onde veio e a única coisa que se lembra foi de tomar um murro na ponta do queixo. Daí é tanta pesada, ponta-pé, murro, chute que você acorda no pronto atendimento da cidade juntamente com seus demais amigos, que igualmente arrebentados tentam recolher os caquinhos e voltarem para a área de camping.

No caminho de volta você percebe os olhares atravessados e, às vezes, ameaçadores, até que alguém se aproxima e diz apontado o dedo:

— Aeee, doidim!!! Saí vazado senão vai morrê, tá ligado!?

Depois da surra que levaram você e seus amigos não duvidam de mais nada e rapidamente se dirigem para o camping para pegar as barracas e irem embora. Quando chegam ao gramado, ou melhor, à área de camping, vocês se deparam com uma triste realidade: Não há mais barraca!!! Não há mais nada, salvo, é claro, cinzas do fogo que consumiu tudo. Você e seus amigos também percebem que não possuem mais dinheiro e os cartões de crédito foram totalmente consumidos pelo fogo da raiva dos nativos.

Então o que resta é ir para a estrada, escrever em papelões o destino desejado e torcer por um bom samaritano dar-lhes carona. Porém, o melhor de tudo é saber que ano que vem tem mais, não é mesmo!?

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