quinta-feira, 17 de março de 2011

Coisa de Maluco (parte I)

Por André Caixeta Colen

Caro leitor(a), se você já foi ou é estudante de faculdade sabe que um dos momentos mais esperados pela turma é sempre o “churrascão da galera”, também conhecido como “churras da facu”, “churras” e tantos outros nomes singelos e carinhosos que serpenteiam o léxico popular brasileiro.

Pois bem, você já está lá pelo terceiro período de faculdade, ou segundo ano, conforme o caso. O pessoal já se conhece relativamente bem, já existe um entrosamento e você, como tem um “sítio” perto da cidade, resolve articular planos malignos com o intuito de realizar uma baguncinha.

Mais do que depressa você já arranca uma folha de papel do seu caderno e dá um título sugestivo “CHURRAS DOS ‘MALUCO’” (eu sei a concordância esta errada, mas é proposital), logo abaixo e com um garrancho quase indecifrável você escreve: “Aí galera! Churrasco no sítio do ‘fulano’ (aqui o nome foi ocultado para proteger a identidade e futuras persecuções policiais). Coloque seu nome, telefone de contato.

Como a maioria vocês são todos estudantes a lógica diz que são todos duros e mais do que depressa analisam que churrasco é algo relativamente barato. Vocês só devem comprar umas cervas, uns litros de cachaça, limão, açúcar e gelo, umas carnes, mussarela, arroz, farofa industrializada (ninguém vai parar para fazer farofa, né “colhega”!?), e finalmente cebola, pimentão, tomate e vinagre para o famigerado vinagrete.

Para completar a festa chamam-se as mulheres da sala, que pagarão somente a metade do preço do churrasco (técnica para tentar atraí-las), além, e é claro, das “amigas” que também curtem o churrasquinho. Porque churrasco sem mulher é como cerveja quente: é ruim; é amargo; não faz bem para saúde; e NÃO TEM GRAÇA ALGUMA.

Então com tudo armado, lista pronta, começa a aventura e peregrinação da galera em busca de ofertas em tudo quanto é supermercado, hipermercado, bares, distribuidores de bebidas e biroscas. É uma busca frenética e incessante pela bebida mais barata, pela cerva na promoção, pela caninha mais concentrada e barata que se possa pensar.

Finalmente, após muito percorrer a cidade em busca de promoções a turma consegue latinhas de Itaipava a alguns centavos de real. Detalhe que a cerveja estava a dois dias do vencimento, mas isso pouco importa, pois seria totalmente sorvida pela turba enlouquecida. Vocês conseguem também comprar cinco litros de cachaça (se é que se pode chamar aquilo de cachaça). Compram a carne e toda aquela parafernalha inerente ao churrasco dos “Maluco”.

Na sexta-feira, após a aula, vocês se reúnem na porta da faculdade, com todos os badulaques necessários e pegam estrada rumo ao “sítio”. Mas meu caro, sítio é algo arrumado, com quartos arrumados, com uma casa arrumada, com algum tipo de estrutura para o final de semana. Quando você chega ao tal “sítio” o negócio está mais para a casa da família Adams. É de dar medo! Fato!

A casa é totalmente isolada do mundo, não possui linha telefônica fixa, o único telefone próximo era na cidade, cerca de 20 km da casa dos Adams, ou seja, se você passar mal, for picado por algum bicho peçonhento, se estrumbicar e rachar o coco no chão, você vai morrer.

Ah! Antes que eu me esqueça!

Celular!? Nem pensar, Diomar! (rima babaca e proposital!)

O ingresso e permanência na casa é, SOBRETUDO, um ato de coragem, pois a casa parece que a qualquer momento vai cair sobre si mesma. As paredes totalmente carcomidas pelo tempo, as janelas de madeira estão visivelmente apodrecidas pelo tempo e pela ação dos cupins, ou seja, o sujeito para entrar tem de estar imbuído de um espírito aventureiro extremo. No caso de vocês é uma vontade enlouquecida de beber, falar besteira e quem sabe lograr êxito com alguma “gatieeeenha”.

Após fazerem uma breve inspeção na área percebem que o tal sítio conta com a casa principal, alguns pastos á frente, aos fundos uma área de churrasqueira TOTALMENTE IMPROVISADA, um tanque de água que alguns doidos (inclusive você) insistem no fato de ser uma piscina, mas que ninguém em sã consciência se atreveria a entrar. Localizam, então, o freezer que se encontra desligado, a geladeira (daquelas que até um pingüim sobre as mesmas tem) e o restante do mobiliário da casa, que como ela, está caindo aos pedaços.

Vale inclusive ressaltar que na sala havia uma televisão que todos insistiram em tentar ligar, contudo acharam que a mesma estava estragada. Só não perceberam que se tratava de uma TV de válvulas e como tal deveriam esperar o aquecimento, mas isso pouco importa, o que importa é que a cerveja deveria ser gelada e o freezer estava desligado.

O desespero por álcool no corpo é de tamanha monta que vocês colocam a cerva no freezer, arrumam as carnes na geladeira e aí vem a brilhante idéia. Vocês trouxeram dois sacos de gelo quando passaram pela cidade e resolvem pegar alguns limões, açúcar e a cachaça para fazer caipirinha.

Amigo!!! Uma bebida que, com pouco mais de seis reais, vocês compram três litros de “branquinha” não pode ser algo deste mundo. Contudo, isso é um mero detalhe e facilmente resolvido com um acréscimo generoso de açúcar. Então as “gatieeeenhas” se colocam a cortar os limões enquanto vocês espremem os mesmos num bule de café.

Sim, você não leu errado caro leitor, EM UM BULE DE CAFÉ!

Após espremer os limões vocês acrescentam doses cavalares de açúcar para deixar a coisa bem docinha para que as moçoilas não reclamem e se encharquem de cachaça. Acrescentam a branquinha (que está mais para álcool absoluto) e gelo, muito gelo, além, é claro, dos pedaços de limões que não foram espremidos.

Pegam uma colher de pau e misturam aquela gororoba toda. Detalhe, a colher de pau sequer viu uma água antes de ser colocado no bule. Afinal, o gostinho de madeira guardada, empoeirada, e mal lavada dá um toque todo especial à mistura.

Então vocês para bancarem os estudantes requintados, em que pesem a dureza de seus bolsos, cortam cavalares nacos de queijo provolone, canastra e fritam uma lingüiça calabresa no bom estilo pif-paf (pensem numa lingüiça ruim! É isso!), sentam-se na varanda da casa o bule sobre o centro da galera, junto com uma travessa cheia de lingüiça e queijo. E aí a coisa começa a degringolar.

Cachaça, “colhega”, é bebida do capeta. E o problema, ou melhor, “pobrema” maior é que quando misturada ao limão e ao açúcar você só percebe que está tonto quando já é tarde demais.

Vocês, como dignitários representantes do M.M.A. (Movimento dos Manés Anônimos) então resolvem que irão ascender o “Dedo do Kong”, para quem não entendeu pergunte o que é a qualquer “bicho grilo” e ele explicará com requintes de detalhes.

Amigão, vocês além de estarem com o capeta no corpo resolvem que este danadinho tem de ficar de viagem. Fala sério! Como é que podem ser tão Manés assim!? Então no auge do olhar vago, do riso solto, sem quê nem por que, um de vocês resolve ter a brilhante idéia de fazer um chazinho. Mas não qualquer chazinho. Estamos aqui falando de o famigerado Chá de Cogumelo.

Os “espertões” saem à procura dos danadinhos (leia-se cogumelos), lembre-se você já está com o rabo cheio de cachaça, já sentiu a fumaça branca que saía de traz do bambuzal e agora, de repente, não mais que de repente, vai encarar um chá descompromissado. É companheiro o sistema pode e vai ficar muito bruto!

Após colherem os cogumelos se colocam no preparo, ajeitam tudo. Não direi como é feito o chá para não acharem que estou fazendo apologia ao uso de drogas. Não estou. Droga como o próprio nome fala é uma merda. Mas quando vocês, meus caros manés, digo leitores, são jovens tudo que é proibido tem um gosto doce e dificilmente consegue ser detido pelo ávido prazer da descoberta.

Feito o chá, todos tomam. Eu disse todos. Detalhe que algo que era para ser feito com “x” número de cogumelos foi feito com “x²” de cogumelos. Você bebe e ao que tudo indica não sentiu barato algum. “Colhega” o tal do chá é uma baita decepção. Você já esta mamado, as gatinhas ficaram de amarração, já está meio lesado pela erva santa, aquela porcaria tem um gosto amargo da peste e só lhe resta uma coisa: ir dormir!

Você então vai para um dos quartos, fecha a porta, lá fora ainda rola um som do The Doors, que foi uma tentativa desesperada de seus amigos conseguirem ter uma viagem com o tal chá, o quarto não tem laje, você se deita na cama que range a cada mexida de seu corpo, à sua frente um armário, daqueles antigos, cheios de entalhes esquizóides, ao lado do armário, um pôster carcomido pelo tempo do desenho Caverna dos Dragões (desenho inspirados nos RPGs) com aquele famigerado Dragão Tiamat no centro do cartaz.

Você já pra lá de Bangladesh resolve fechar os olhos, então a música de Jim Morrison começa a ficar muito lenta, um estranho zunido começa a aparecer em seus ouvidos, flashes de luzes começam a aparecer em sua mente, mesmo com os olhos fechados, você então abre os olhos e os entalhes do armário a sua frente começam a dançar à sua frente como se fossem mulheres em clubes de strippers. Você, meu caro Mané, começa a “travar”, começa a ficar ligeiramente (para não dizer muito mesmo) com medo daquela merda toda.

Neste momento você comete um erro fatal. Você olha para o pôster do Carvena dos Dragões e percebe que Tiamat começa a mexer suas cabeças e a se deslocar para fora do cartaz. “Colhega”, você sabe que está na viagem, mas se trata do próprio Dragão do Inferno, se trata de Tiamat. Você não está nem aí se é alucinação ou não, você quer é dar o fora daquele quarto.

Como está muito chapado e em uma viagem totalmente equivocada você tenta abrir a porta forçando-a para o lado de fora, quando bastaria puxar a porta. O desespero é de tal grandeza, com aquele dragão saindo e se encaminhando para seu lado, que você arromba a porta e sai em desabalada carreira para a sala. Neste instante você olha para o corredor e é como se ele se estendesse para o infinito e além, não importa o quanto ande ou corra, aquela droga de corredor não parece ter fim. Como se não bastasse ter um dragão na sua cola, você agora não consegue chegar à sala. O desespero é inenarrável e você começa a gritar por socorro e a chorar como um menino pequeno.

Quando finalmente consegue chegar à sala o dragão já desapareceu e você, ainda “travado” (leia-se viajando) olha para o micro-system de onde sai o som do The Doors e começa a ver cores saindo da caixa de som, acompanhado pela letra inconfundível:

People are strange, when you're a stranger
Faces look ugly when you're alone
Women seem wicked, when you're unwanted
Streets are uneven, when you're down


No outro canto da sala você vê seu amiguinho abraçado com um balde e fazendo movimentos pélvicos como se tentasse comer o balde. Ele o lambe a frente do balde, acariciando-o a lateral, como se tentasse agarrá-lo pela bunda. Você percebe que seu amigo está muito pior, então toma o caminho para fora da casa, pisa no tapete e quase cai, ele está apenas enrugado, mas para seus olhos ele parece fazer marolas. Louco e amedrontado você caminha pelo lado da sala, encostando suas costas na parede e com um medo fodido daquele tapete voar na sua cara e lhe dar um abraço mortal e sufocante.

Quando consegue alcançar a varanda da casa vê de um lado outro amigo ajoelhado e pronunciando barulhos irreconhecíveis tentando se comunicar com alguma coisa que se encontrava no canto da varanda. Mais tarde você descobriria que ele estava conversando com um duende verde. Já no outro canto da varanda as “gatieeeenhas”, sentadas no chão, com as pernas cruzadas, olhando uma para as outras, e fazendo bolhas de saliva na boca. A cada estouro de uma das bolhas a gargalhada rolava solta. Era como se tivessem acabado de escutar a piada mais delirante da estória do humor.

Então você percebe que outro amigo está correndo desesperadamente em volta da casa e ao perguntar qual era a razão para tal desespero ele diz que queria pegar o Sr. Coelho. Sinceramente, até hoje você pensa que ele teve algum trauma de infância relacionado a “Alice” (para bom entendedor, pingo é letra).

Finalmente o zunido no ouvido diminuiu então você deita sobre a relva e olha a imensidão do espaço e, finalmente, você tem a única coisa que presta daquela experiência. O cosmos começa um baile e as estrelas do firmamento começam a dançar para você. É como se todo o universo, em sua homenagem, dançasse uma valsa de Strauss ou Chopin. Aos poucos as estrelas vão parando de dançar e a realidade volta. Neste momento, seu estômago também volta a existir, não só o seu, mas de todos que estão na casa, e é um festival “O Exorcista”, é neguinho virando pescoço, se contorcendo todo e dale vômito.

Lá pelas tantas da madrugada, todo mundo ressaqueado pela lambança, vai dormir, pois o dia seguinte promete. Afinal churrascão no dia seguinte é tudo de bom, né mesmo!? E quem sabe não renda alguma coisa com as “gatieeeenhas”!

Viva as coisas do cotidiano!

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