quarta-feira, 24 de novembro de 2010

SÁBADO DE SOL

por André Caixeta Colen

Então chegou o final de semana e você, caro leitor, não vê a hora de relaxar e curtir aquela folga merecida do final de semana, não é mesmo!?

E R R A D O!!!

Final de semana para você, que é pobre, como este que vos fala, só tem uma escolha óbvia, ajudar seu coleguinha que está construindo a casa no fundo do lote do pai para poder casar, pois a namoradinha está embuchada, vulgo grávida, prenha, embarrigada e, porque não dizer, embaraçada (não contem para ninguém, viu!?).

Pois bem! Como bom amigo que é! Você levantará cedo no sábado. O fará já contrariado, diga-se de passagem, pois sábado não é dia de levantar cedo, inclusive sendo considerado pecado por algumas religiões, seitas e filosofias de vida (como a minha, por exemplo). Contudo, em nome do social e do amigão que está prestes a se casar e ser papai (não contem para ninguém! Só estou reforçando) você trava o despertador na sexta à noite e vai dormir.

O rádio relógio desperta com um som numa altura insuportável, tocando uma música de pagode igualmente intolerável, pois a moça que faz a faxina foi escutar a “Extra FM” e deixou o rádio no último furo do volume e você, tolinho, digo, caro leitor, esqueceu de verificar antes de ir dormir. Só para esclarecer ao nobre leitor que não é de BH a “Extra FM” é uma das diversas rádios da capital mineira que só tocam pagode e sertanojo (eu não escrevi errado). Enfim, uma rádio que só toca “baranguice” em BH. Com certeza você também tem uma rádio do tipo em sua cidade.

Como se percebe você já acorda bem “animadão”, pois não tem coisa “melhor” que acordar ao som destas porcarias (para quem não notou, eu fui irônico, tá!?). Com toda certeza a letra da música estará contando o chifre que alguém levou da namorada e como a dor de corno corroe o espírito de quem andava feliz e fagueiro quando estava amando. Possivelmente também a voz do vocalista é chorosa e mais parece que surraram o coitado, colocaram um microfone na mão dele e o Coronel Nascimento disse: “Canta vagabundo!”. (independentemente se for sertanojo ou pagode, o vocalista invariavelmente parecerá estar chorando e não cantando).

Você, amigão, toma um banho e corre para o metrô para ir baixar em Venda Nova. Para esclarecer àqueles que não conheçam BH é bom deixar claro que qualquer lugar é longe de Venda Nova. Até Venda Nova é longe de Venda Nova. É como se você estivesse em BH e tivesse de ir a Campina Grande, na Paraíba, cerca de 2.100 km da capital mineira. Exageros à parte (nem tanto!), você pouco se importa com a distância; afinal, você é um cara amigo, amigão, “amigaço”, o famoso “pau-pra-toda-obra”, sangue bom mesmo.

Pontualmente às oito da matina você se encontra na estação do metrô. Às oito e meia o trem chega (é o trem mesmo, a composição férrica. Não é um “trem” qualquer de mineiro), você entra e de cara já tem uma visão do inferno. Dentro do vagão, totalmente tomado por crianças, entre seis e oito anos, completamente ensandecidos que se dirigem ao clube do SESC. Há também, e como de costume, uns quatro Hippies sentados no chão do vagão fazendo brincos e correntinhas para vender na feirinha da Avenida Vilarinho (uma das principais avenidas da região de Venda Nova). Dois sujeitos que mais parecem armários de casal de porta aberta, com cara de maus, com ternos pretos amarrotados e velhos, camisas brancas, olhos vermelhos e um cheiro que se traduz na mescla de nicotina com desodorante avanço, logo, seguranças de boates, bares, zona e congêneres. Por fim, um vendedor com uma cesta de vime repleta de pasteis fritos que irá fazer seu ganho na porta do clube do SESC e, obviamente, você.

Caro leitor, aquele cheiro de nicotina, desodorante barato, gordura usada, gritos de crianças começam a entranhar em seus sentidos, você começa a se sentir tonto, nauseado, com uma vontade absurda de ver o vagão descarrilar e acabar com aquela tortura.

Para melhorar ainda mais, um dos hippies se levanta e começa a lhe oferecer correntes e brincos, você olha para o cara já com vontade de sair na porrada, mas se contem. Afinal, para que você quer correntes e brincos, cacete!? Nem namorada você tem!

Após uma longa e exaustiva viagem (sim, ir a Venda Nova se equipara a uma viagem, uma looooooonga viagem) você chega à sua estação, desce, pega o ônibus de integração e depois de “meia hora” no “busão” você está na casa do pai do seu colega. Em tempo, você estava achando que iria descer na estação e a casa de seu amigo estaria logo á frente? Vai sonhando bonitão!

Após esta pequena e inesquecível aventura férrica e de “busão”, você toca a campainha e a mãe de seu amigo, Dona Carmem, o recepciona. Uma senhora de aproximadamente um metro e sessenta, cento e dezoito quilos (sim, obesidade mórbida, mas e daí!? Não é mesmo!?), morena, toquinha no cabelo, riso largo vem, abre a porta para você e o convida para entrar. Logo que entra ela já solta um berro estridente bem ao seu lado, chamando seu amigo e anunciando sua chegada. Ela o encaminha para os fundos do lote, onde está sendo construída a edícula, leia-se “puxadinho”, mas o termo edícula fica bem mais charmoso e menos pobre.

Quando chega aos fundos da casa você vê a namorada (futura esposa e mamãe) do seu amigo de camiseta de propaganda política do PT, bermudinha jeans, rasteirinha, sentada num banquinho com uma bacia apoiada nas pernas, uma faca na mão e ao seu lado três baldes contendo, em cada um, pimentão, cebola e tomate, ou seja, vai rolar um vinagrete básico. No outro canto você vê o pai do seu amigo tentando, a todo custo, acender o carvão naquelas churrasqueiras improvisadas feito de roda de caminhão. Ao lado do pai está o irmão de seu amigo preparando a carne que será assada, leia-se maminha, coração, lingüiça calabresa, salsichão e asa de frango.

De relance você olha para traz e vê, ao lado da porta que dá acesso para a cozinha de Dona Carmem, um isopor repleto de Itaipava, duas garrafas de Boazinha (cachaça), limão e açúcar. Consegue também verificar que há alguns pets de guaraná Del Rey, Cola Mineirão e um refrigerante na cor laranja que se quer sabe pronunciar o nome e cujo rótulo vem escrito em letras garrafais: “SABOR ARTIFICIAL DE LARANJA”.

Inevitável, caro leitor, mas neste momento você sentirá medo!!!

Como se não bastasse o despertador da manhã, seu amigo chega com um monte de CDs todos, sem exceção, contem mais de seis integrantes em suas capas, logo, só pode ser uma coisa, PAGODE.

Ninguém merece!!! Mas você é amigo, companheiro e faz de conta que gosta e diz: “Nossa! Escutei este daqui pela manhã, acredita!?”.

O pior é que realmente você escutou aquele grupo pela manhã e sua faxineira será eternamente lembrada por este momento ímpar no despertar da manhã. Seu colega então, empolgadíssimo, tira o CD, o coloca naquele Micro System, que de micro não tem nada e mais parece um trio elétrico de tanta caixa, coloca no último furo e o “pagodão” começa a rolar solto. Só alegria, “né mermo”!?

O futuro papai então começa a preparar o cimento, brita, areia e água. Caro leitor, você vai bater laje. Eita coisa boa de fazer e que quase não dá trabalho!!!

Vocês então posicionam as escadas, neste momento chegam mais quatro colegas de seu amigo, você sobe até onde será despejado o concreto e aí começa a loucura. Amigo, acontece que você começou a trabalhar no sol tranqüilo e manso de meio dia e dale balde de concreto. Para quem já bateu laje é fato público e notório que tal serviço é algo desumano.

Na medida em que você vai socando o concreto, ele vai secando e um vapor começa a subir, neste momento você já não sabe se o calor vem do sol acima ou do vapor abaixo, sua camisa vai suando, sua cabeça vai suando, tudo vai suando, TUDO MESMO! Naquela vontade de acabar com aquela tortura braçal você comete um erro quase sem importância, mas que lhe custará muito, como se verá adiante: você não se hidrata, leia-se beber água.

Após quatro horas de muito serviço você desce telhado, totalmente transtornado, visivelmente abatido e sem vontade de cantar uma bela canção, principalmente se for de pagode. Logo que você coloca os pés no chão seu Jair (pai do seu colega) já o recepciona com um copo lagoinha de Itaipava e você bebe como se estivesse tomando gatorade. Caro leitor, você desce o beiço na Itaipava, e na boazinha, e na carne, vinagrete, coraçãozinho, maminha, arroz, farofa... Afinal, com a sede e a fome em que se encontra aquilo virou um verdadeiro quitute dos deuses.

Depois de passar o dia ralando, leia-se batendo laje, você começa a sentir uma ardência no corpo. Vale lembrar que você não é mocinha e esta coisa de protetor solar é trem (aqui é o trem de mineiro mesmo) de bichinha, de emozinho babaquinha. Não é coisa de macho, porra!!! Você está mais vermelho que um camarão frito.

Já cansado você resolve que está na hora de voltar para casa. Estranhamente você começa a se sentir meio tonto, febril, seu estômago começa a fazer estranhos e incompreensíveis sons, mas você continua firme em seu trajeto de retorno, mas resolve gastar um cadinho mais (cadinho, leia-se muito mais) e pegar um taxi para voltar.

Você então caminha para o ponto de taxi e sente suas pernas bambearem e começa a sentir algo crescendo dentro de seu estômago como se fosse um “alien” pronto a estourar seu peito. Contudo, ao contrário do que você pensa, não é um “alien” que sai, mas sim um jato de vômito, numa cena típica e merecedora de estar no filme “O Exorcista”. Você mais parece um poço de petróleo expelindo o ouro negro. Amigo, você acaba de ser vítima de insolação.

É uma visão nababesca.

Neste momento, e para seu azar, vem descendo uma “veraneio vascaína” (para quem não sabe é viatura de polícia), antes que pudesse explicar o que está acontecendo você já leva uma mãozada na orelha e ouve o policial dizendo: “Tá maluco vagabundo!”. Só então percebe que com tanto lugar para passar mal, você o fez diante da delegacia da polícia civil.

Fala sério “colhega”!!! Tinha outro lugar não!? Depois de tomar uma dura dos policiais, de fazerem você limpar toda a calçada da delegacia e tomar um chute no traseiro, você segue viagem até o ponto de taxi. Lá chegando, sua cara de total transtorno está tão visível que os taxistas se recusam a transportá-lo e só lhe resta pegar o metrô de volta.

Você então tem de ir andando até à estação do metrô, pois o “busão” de integração já não estava circulando e começa sua longa jornada até à estação.

Chegando à estação você se depara com quem? Pois é! Com aquela excursão de crianças que foram ao SESC pela manhã! Estão todos lá! Só que agora berrando, em prantos, brigando porque um coleguinha “invadiu o espaço aéreo” do outro, brigando porque um coleguinha tem um canudinho de suco vermelho e o do outro é branco, enfim, brigando e fazendo birra por tudo. Amigo, é tanto choro berro que seu mal estar só aumenta. Lembra do “colhega” do pastel frito!? Então, ele também esta lá e a cesta, apesar de não ter mais pasteis, continua com aquele cheiro maravilhoso de gordura.

O trem chega (trem mesmo, composição férrica, lembra!?).

Você entra num dos vagões e reza para que os pirralhos e o pasteleiro escolham outro vagão. Mas nãããão. Todos entram no mesmo vagão e a tontura com a gritaria, choro, birra, gordura, febre, ardência no corpo, bambeza, tudo vai só gradeando em seu estômago até que já não há mais como segurar e ao invés de explodir o coração (como na música do Gonzaguinha) o que explode é o nome inconfundível do “Ruuuuuuuuuuuuuuiiiiiiii!!!” (para quem não entendeu esta é a onomatopéia para o vômito!)

Somente neste momento os meninos param todos de gritar, chorar e fazer birra, o pasteleiro se afasta de você e todos olham como se fossem um leproso na idade média. Um condenado à morte.

As crianças se agarram nas barras de seus tutores com medo do moço que esta passando mal. Se por um lado seu mal estar é terrível; por outro é bom, pois a gritaria e o cheiro de gordura reduziram sensivelmente.

O resto da viagem, tirando o cheiro da vomição que impregna em todo o vagão, transcorre com certa tranqüilidade. Ao chegar à estação você desce meio bambo e entre os olhares de reprovação dos demais passageiros que o fuzilam como se você tivesse roubado e matado alguém.

Finalmente está em casa você tenta tomar banho, suas costas pinicam mais do que pele na urtiga. A febre só aumenta, a bambeza do corpo já é notória, você mal consegue parar em pé. Contudo, você já não vomita mais e tudo agora vai melhorar, não é mesmo!?

E R R A D O!!!!

Caro amigo, começa então a fase do “piriri” e você passará a noite inteira sentado em trono real, leia-se vaso. Será realmente uma noite memorável e da qual você não esquecerá tão cedo. Seu domingo será composto de gatorade, soro caseiro e bolachas água & sal. Mas não se preocupe!! Como disse lá no início você é amigo, amigão, amigaço, o famoso pau-pra-toda-obra, sangue bom mesmo! E o que é um insolação para alguém que é tão prestativo, não é mesmo!?

Viva a amizade, viva as coisas do cotidiano!

2 comentários:

  1. Lembrei-me da música dos Mamonas... "Sábado de sol aluguei um caminhão..." rsrsrs
    Crônica bacana...
    A sua descrição possibilita a construção de imagens (dos acontecimentos), facilitando o humor... Textos que se parecem àqueles de Stand up comedy!
    Grande abraço.

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  2. O texto é ótimo, mas minha visita aqui se deu por outro motivo, óbvio: SAUDADE !

    Um beijo paulistano pro "Dotô" mais sumido de MG, uaiiiii... rs

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